Por Evandro Ferreira (texto e ilustração)
É incrível ver que esta tora ainda continua aqui. Mesmo depois de tanto tempo, está na mesma posição. Só que agora está gasta, na verdade alisada pela fricção de tantos traseiros ao longo dos anos.
Este tronco velho de eucalipto ainda é um bom assento, mas já não é mais arquibancada. Daqui sempre se teve a melhor visão do campo. Quase a mesma do goleiro que estivesse no gol da entrada. Uma pena as traves não existirem mais. Uma pena isso não ser mais um campo. Uma pena o futebol ter morrido aqui.
Mas esse lugar sempre me traz uma lembrança: foi o meu primeiro contato real com uma bola de capotão. Não, eu não estava no campo jogando, eu estava exatamente aqui. Na verdade mais à esquerda, sentado ao lado do meu tio, o Barba, e vendo minha primeira partida de futebol ao vivo.
Talvez seja a lembrança mais vívida dos cinco anos de idade. Acho que não me lembro de outras coisas com tantos detalhes mínimos.
Possivelmente tenha ocorrido num domingo de manhã, mas isso já não vai com tanta certeza. O que sei é que eu ainda não tinha permissão para estar no campo. Mas a minha casa ficava a uns cinquenta metros daqui, o meu pai era diretor do Onze Primos e o meu irmão, meia-esquerda, então estava no sangue essa vontade de estar aqui.
Nesse dia, o meu tio aporrinhou a minha mãe ao último de sua paciência, que tomaria conta de mim, que nada ia acontecer e que se está com ele está com Deus. Esse tipo de coisa.
Pelo cansaço, e não há outra explicação, ele venceu e me trouxe aqui, bem para este lugar, inteligentemente, atrás do gol do Calazans. Meu pai estava do outro lado do campo. Acenei, mas ele não me viu.
Pois bem, a coisa ia bem, o Onze Primos jogava de branco porque o outro time tinha o fardamento igualmente azul e vermelho. Lembro porque, por uns dez minutos depois do início da partida, eu estava torcendo para o time errado.
E o time errado estava melhor, aparentemente, porque eles vinham mais vezes para o gol do Calazans do que a gente ia lá no goleiro deles. Mas gol eu não vi nenhum de nenhum lado.
Bom, a memória principal desse dia, e talvez a causa de todas as outras terem sido impressas no meu cérebro, sou eu sentado aqui, ao lado do meu tio, e o ponta direita do adversário adiantando uma bola e saindo velozmente pelas costas do marcador.
O cara corria como uma garça correria, mas meio que em câmera lenta. Ele tinha pernas demasiadamente compridas e o seu black power era evidente em sua sombra esticada no terrão.
Bom, a jogada foi para a linha de fundo, mas o maldito não cruzou. Ele devia mesmo ter cruzado na área porque o centroavante estava fechando sozinho pelo outro lado e o nosso zagueiro não parecia saber o que fazia ali. Mas o maldito não cruzou. Ele emendou um canudo inverossímil que jamais encontraria o gol.
Me lembro da bola chegando na minha cara, do capotão se deformando em minha testa (ainda bem), de ter caído para trás, dos segundos sem ar, do choro mais de alívio que de dor ou de medo e de mais nada daquele dia.
Imagino que o meu tio tenha ouvido muito da minha mãe.